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Gervásio, Marivaldo e a galera

… e caminhávamos juntos, lado a lado, no meio da multidão. Poxa, foi foda, nem te conto. Se pelo menos parassem de peidar tanto. Caramba, estava cheio de mulher gostosa, quase perdi a estribeira. Depois de um tempo, já nem sabia mais porque saí de casa. Tá, tá bom, eu lembro agora, de que era para exigir uma vida melhor, eu sei. Mas estou dizendo que, naquele momento, fui tomado por uma vontade louca de comer umas popozudas caminhando perto da gente. Eu e Marivaldo, estávamos vindo da Alameda do Buriti, perto da saída doze, lá em baixo. Cara, não é por nada não, mas achar um banheiro na rua, e em apuros, não é brincadeira. Mijar é fácil, não tô nem aí, o difícil é lidar com o “João de Barro”. Por isso que é tanta gente peidando enquanto caminha pela rua, e aquela catinga que só vendo.

Estávamos tão animados, decididos a lutar pelos nossos ideais, em protestos contra o governo e a corrupção, que cheguei a sonhar com um mundo mais bacana e justo. É sério, nessas horas, a gente fica cheio de vontade, cheio de força. Não fosse aquela merda da cueca que me pegava na virília, teria sido melhor ainda. Acabei me assando todo, igual criança pequena; dá uma raiva quando isso acontece. Tinha que sair de casa usando logo uma cueca que dana a entrar bunda a dentro? De tanto coçar, e puxar, e sei lá… já não tinha nem pêlo mais, perto do butão, quando voltei pra casa.

Bom, como eu dizia, o desejo da galera em geral, durante a passeata, era de transformar tudo que parecia estar ruim na sociedade. Queríamos que as coisas mudassem sem que tivéssemos que mudar nada em nós mesmos, e continuar fazendo parecido. O negócio era mudar os outros. Bem assim, de supetão, estilo poder mágico ou coisa desse tipo. Tinha até neguim vestido de Harry Potter, aquele menino do filme de mágica. Talvez, por sermos, a maioria, jovens que se encontravam lidando com a baderna que os mais velhos tinham feito. Uma cumplicidade omissa, é, herdamos tudo dos outros, coisa boa e coisa ruim. Mas é meio de repente, não acha? A gente cresce despreocupado, nem todo mundo, mas muita gente cresce despreocupada e de repente se vê responsável por coisas que não tem nada a ver e precisa solucionar. Assim, na varinha de condão, e de uma hora pra outra, o impulso inicial é de se livrar de todos os problemas que nos assolam com um toque de magia, como usar um cartão de crédito. Tenho a impressão de que os mais velhos tentaram fazer, ou pensaram em fazer algo da vida, e não fizeram foi nada com eles mesmos, individualmente, pois haviam herdado um legado antigo que também perpetuavam. Eles tiveram que remediar, passando a bola pra próxima geração. Deram um jeitinho daqui, outro dalí, procriaram e ficou na mesma, no fundo, ficou tudo na mesma. Que moda boba, que angustia maldita, credo!

Você acredita que o Juninho apareceu na caminhada de namorado? Sim, de mãos dadas e tudo. Disse que iriam se casar e que o momento era propício, e veja só, ele disse propício, para concientizar a população de que os viados também eram gente e tinham direitos. Pirei um pouquinho, pra ser sincero. Até indaguei se ele estava só brincando ou se eu deveria dar logo um soco na cara dele. Mas era sério também, todo mundo estava sério com relação a alguma coisa. Eu perguntei pra uma moça segurando um cartaz acima da cabeça, se ela sabia de algum banheiro por alí. Ela disse que eu era um atrevido. Acho que ela percebeu que eu estava olhando pro biquinho dos peitos dela, mas o troço do banheiro era verdade. A bregueira da Sílvia, aquela que foi pega com a bundona de fora, fazendo cocô no patio da escola, de tardezinha, depois da palestra daquele padre viado, apareceu vestida de galinha e se meteu lá pro miolo da manifestação. Estou até hoje, tentando entender o significado daquilo.

Porra, peraí…

̶  Oh Paulo, Paulo, porra cara, ficou louco, peão? Sai daí cara. Não tá vendo a viga solta em cima da sua cabeça? Fica balançando desse jeito, de um lado pro outro, pra ver no que vai dá. Sai daí cara, surdo? Cadê sua mãe? E seu pai, por onde anda? Você precisa tomar mais cuidado, já te falei pra não ficar de bobeira por aqui. Isso daí tudo tá em construção. Isso e’ coisa dos outros, tá cheio de pregos e… você sabe do que eu tô falando, cê vai acabar machucando. Pega a estrada véi, vai ver onde tá sua mãe e fica com ela.  ̶

Foi mal, esse era o “Paulinho Boca”, um rapaz retardado que fica zanzando pela cidade à procura de formigueiro, só arruma encrenca. Estava dependurado, e tentando se equilibrar em cima de uma pilastra deitada no chão, debaixo de uma viga de ferro que, eu acho, está pertinho de despencar. Ah, mas então? Também ví a Tininha, ela está cada dia mais linda, se é que é possível.

No final das contas, acabei esquecendo daquilo, o bar do Geraldinho foi mais negócio. Mas porque mesmo que comecei a falar disso?



Welton V Arantes