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Série: Estórias de Personagens Fictícios – 02

Sabrina é só minha

E como sempre, a vi passando apressada a caminho do trabalho
mais uma vez. Já até me acostumei com nossos encontros diários,
sabendo que ela nunca notou minha presença. O nome dela é
Sabrina. Na verdade não sei, escolhi esse nome do nada, só
porque gosto. Todos os dias pela tarde, lá pelas seis e meia,
assim que retorno do serviço, nossos destinos se entrelaçam por
um segundo; eu de um lado da rua, ela do outro. Gosto de
imaginar que seus passos apressados a encaminham ao emprego ou,
quem sabe, à escola, pois os meus me trazem pra casa depois de
um dia cansativo de trabalho. Fico pensando em várias maneiras de me
aproximar, mas fico sem coragem. Já pensei em dar carona, mas
tenho vergonha, meu carro é um golzinho velho, todo descascado.
Ah, mas ela é tão linda! Não sei, é uma mistura de preto com
branco e… sei lá. É mais ou menos uma índia branca bronzeada.
Ave Maria, é difícil explicar! Ela tem o cabelo pintado e longo,
batendo no meio das costas; castanho claro, do jeito que eu
gosto. Minha Santa, e o corpo todo forte e delgado, cheio de
curvas acentuadas? Que maravilha de corpinho, ela é muito
gostosa.
Uma vez, enquanto eu tomava uma cervejinha com uns amigos no
centro da cidade, vi Sabrina de longe, acompanhada por um amigo.
Como de costume, ela estava bem vestida, linda. Pegaram um táxi
e seguiram juntos. Aquela sexta-feira ficou entalada na garganta.
Passei a fantasiar situações parecidas, onde eu faço o
papel de acompanhante. Muitas foram as noites em claro matutando
um final feliz pra nós dois. Gasto os finais de semana
contemplando a possibilidade de me unir a ela, de seguí-la, de
beijá-la, de abordá-la, de descobrir de uma vez por todas pra
onde vai e o que faz da vida todas as noites depois de invadir
meu campo de visão e me abandonar, deixando-me sozinho. Já
pensei até mesmo em raptá-la e, outro dia, cheguei a pensar em
matá-la. Agora, não consigo me perdoar por isso.
Ela é minha criação, minha loucura. Sabrina não existe. Sei das
possíveis diferenças entre o que vejo e crio em minha imaginação
e a pessoa cruzando meu caminho. Sei inclusive, após uma
conversa com seu Manoel do barzinho da esquina, que Sabrina não
é uma mulher, mas sim, um travesti chamado Roberto Galhão,
morador da favela do Barro Fundo. Mas também sei que não sou
aquilo que aparento ser. Também fantasio poder fazer parte de
uma sociedade perfeita. Gostaria de ser amado sem ter de provar
nada a ninguém, sem ter de me portar como estipulam as tradições
e costumes. Eu adoraria ser bonito, rico, ser famoso e possuir
um corpo de dar inveja. Eu quero dirigir carros bons, adquirir
as mais novas tecnologias, saber falar em público. Mas não
posso, não consigo, não sou ninguém. Vivo sonhando com coisas
que não tenho e coisas que quero fazer, namorando ideias de
sucesso e fama. Eu sei que existo em uma realidade paralela à
realidade dos outros, pois minha forma de perceber o mundo, a
maneira que interpreto as coisas faz de mim algo que ninguém vê.
E, assim como Sabrina, também sou fruto dos olhos, sentimentos e
projeções distintas.
Por isso, Sabrina é minha criação, só minha e eu sou louco por ela.

 

Welton V Arantes